Engana-se quem pensa que os problemas trabalhistas envolvendo redes sociais começaram a partir de 2010.
Reza a lenda que há anos (e várias tecnologias atrás), alunos enviaram ‘scraps’ (como eram chamadas as mensagens públicas em um perfil do Orkut) para um professor agradecendo por suas avaliações fáceis e pela ‘mãozinha’ que ele havia dado para que eles passassem de ano.
O recado, visto pelos coordenadores e diretores da escola, não caiu bem e rendeu ao professor uma demissão por justa causa.
Verdadeiro ou não, o caso serve como um bom exemplo de como não se comportar nas redes sociais. Mesmo porque, após 11 anos do suposto ocorrido, a situação ficou bem mais complexa.
Com Instagram, LinkedIn, Facebook e Twitter, o comportamento dos funcionários e líderes pode ser observado rigorosamente por chefes e até mesmo colegas. As redes, que são públicas, são mais fáceis de monitorar hoje em dia. Mas e quando o problema vem do WhatsApp?
Em 2017, tornou-se público o caso de um funcionário de uma pizzaria que falou mal do rodízio da empresa em que trabalhava em um grupo no WhatsApp feito por seu chefe. “Esse rodízio é uma m*rda. Só duas horas. Pela demora que é, não dá de comer nem dois pedaços”. O resultado foi imediato: demissão por justa causa.
Isso porque a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que em casos de “ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem” a justa causa pode ser aplicada.
Ou seja, sem ‘juridiquês’, se o funcionário fizer ofensas graves, for preconceituoso ou causar danos morais ou físicos à empresa ou a um colega, pode ser demitido por justa causa. E, na verdade, a rede social pela qual foi propagada certa informação, nesse sentido, pouco importa.
“O funcionário tem o direito de criticar, mas não de ser ofensivo. Tudo tem um limite, mesmo em posts entre pessoas sem relação de emprego, como em comentários em grupos de família ou em um perfil privado no Twitter”, afirma Túlio Massoni, sócio do Romar, Massoni e Lobo Advogados.
Se você reclama do pão servido no refeitório da empresa, por exemplo, isso não é configurado como ofensa grave, então, não pode provocar uma demissão por justa causa. Mas, se você ofende a pessoa que fez o pão e, de quebra, expõe a empresa em que trabalha, a situação muda.
Mais que cancelado, desempregado
A demissão por justa causa que envolve informações trocadas em redes de conversas como o WhatsApp, o Telegram ou até um sistema de conversas corporativo, pode acontecer de duas formas: quando a empresa tem acesso de forma ativa às conversas do usuário ou quando alguém tirar um print para enviar para a área de recursos humanos ou para o alvo das conversas vexatórias.
Imagine a seguinte situação: Ana, Lourdes e Pedro trabalham na mesma empresa e têm um grupo no WhatsApp para falar sobre diversos assuntos.
Em um dia qualquer, Pedro começa a criticar a companhia em que trabalham, a falar mal de seus pares, ofender seu chefe e, de quebra, ainda é machista com Ana e Lourdes.
Lourdes, então, tira um print da conversa e envia para o RH. De repente, a conversa se torna uma prova para corroborar a demissão de Pedro por justa causa.
O print, neste caso, tem valor de prova por ter sido feito de forma lícita. Agora se alguém tivesse hackeado o celular de Ana, Pedro ou Lurdes, e entregado as mensagens para a área responsável, fazendo uma interceptação telefônica, ele já não teria mais o mesmo valor.
“O que os advogados endereçam como prova é pegar essa conversa, levar o aparelho para o cartório de registros, dizendo que, no celular de número tal, havia uma mensagem de número tal com o seguinte conteúdo”, explica Priscilla Carbone, sócia do Madrona Advogados.
Carbone afirma que já há algum tempo os tribunais passaram a aceitar áudios e mensagens de texto como provas cabais de um crime.
Agora, quando quem pegou a pessoa no flagra foi a própria empresa, há duas formas de a situação ser encaminhada: a primeira é quando você faz uso de um celular corporativo.
Se você usá-lo para fazer comentários que possam ser considerados ofensivos ou que ferem a moral de alguém, a empresa pode te demitir, usando o smartphone como prova.
“A regra geral é: se é uma ferramenta de trabalho, eu posso ter acesso a tudo que ele movimenta naquele aparelho, mesmo o WhatsApp. Isso é regra geral”, diz Carbone.
A segunda é mais rara, mais pode acontecer. Ao usar o WhatsApp Web no computador da empresa, é possível que a companhia tenha algum nível de acesso às mensagens que você envia.
“A empresa pode ver o que você está fazendo no app porque o equipamento é dela, mas ela não pode fazer isso sem a sua ciência. Você precisa ter assinado um documento previamente”, diz Adriano Mendes, especialista em direito digital e sócio no escritório Assis e Mendes.
“Se o computador é da empresa, o e-mail é da empresa, o celular é da empresa, ela não está interceptando, ela está monitorando as ferramentas que lhes ofertou”, continua.
Mas isso não dá o poder às empresas de espiarem seus funcionários, ressalta Mendes.
“Quando a empresa vê o que acontece com o uso de seus equipamentos, isso é a fiscalização. Esse poder não é absoluto, a empresa não pode ficar espionando o que o funcionário está fazendo”, afirma.
No fim das contas, a demissão por justa causa só acontece se as mensagens vazarem de certa forma. Para Mendes, o app de mensagens é a comunicação de um para alguns, enquanto redes sociais públicas têm o poder de expandir um comentário para milhares de pessoas. E é ai que mora o perigo.
Segundo os especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, não existe uma receita de bolo na hora de definir o que pode ou não ser considerado como ofensivo durante uma conversa no WhatsApp.
Mas também não dá para generalizar — se você já chamou seu chefe de chato algumas vezes no aplicativo, o motivo é fraco para justificar uma demissão por justa causa.
Para isso, Mendes tem um conselho: “As pessoas esquecem, mas a internet não. Tome cuidado na hora de fazer uma publicação ou de enviar uma mensagem que pode ser um segredo, porque ela vai ficar marcada ali para sempre. Esteja sempre alerta”.
(Por: Tamires Vitorio, do CNN Brasil Business / Fonte: www.cnnbrasil.com.br)
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