O estado de São Paulo tem sofrido com as fortes chuvas que atingem a região desde a madrugada do último domingo (30). Enchentes e deslizamentos de terras causaram a morte de 21 pessoas, e cerca de 660 pessoas ainda estão desabrigadas ou desalojadas.
Segundo a FenSeg (Federação Nacional de Seguros Gerais), do total de domicílios registrados no Brasil, cerca de 16% têm seguro residencial. Os seguros podem ser acionados nesses casos? Para quem solicitar indenização? Especialistas ouvidos pelo UOL respondem a dúvidas de moradores que sofreram algum prejuízo com o impacto das chuvas.
O governo pode ser responsabilizado?
Sim. O advogado David Nigri, especialista em Direito Tributário e Securitário, explica que é possível acionar o Poder Público municipal (prefeitura) e estadual na Justiça em caso de prejuízos provocados pelas chuvas.
Segundo ele, a Constituição Federal determina que a Administração Pública garanta o desenvolvimento urbano de forma segura, planejada e com condições básicas de saneamento e adoção de medidas necessárias à redução dos riscos de desastres.
"É dever do estado e do município fazer, por exemplo, a contenção de encostas. Se houver deslizamento em caso de chuva, o Estado pode responder por isso. Pode-se entender que houve omissão do Poder Público.
David Nigri, advogado e especialista em Direito Tributário e Securitário
E em caso de imóveis em área de risco?
Para famílias que construíram imóveis em locais proibidos ou sem licença, a responsabilidade do estado persiste, pois" é dever da administração pública fiscalizar construções irregulares e também pode responder por omissão ", de acordo com Nigri.
Mas cada situação deve ser analisada individualmente por um advogado. O professor Daniel Dias, da Faculdade de Direito da FGV-RJ, afirma que uma ação na Justiça nestes casos não é tão simples —principalmente se os moradores já foram advertidos pelo governo antes dos prejuízos ocorrerem.
"Há pessoas penalizadas que já estão em áreas de risco e muitas já foram até advertidas pelo governo municipal ou estadual. Uma ação reparatória, nestes casos, pode ser fragilizada", declara.
Seguro residencial cobre prejuízos com enchentes e deslizamentos?
Não. Nigri afirma que os seguros residenciais normalmente cobrem apenas prejuízos causados por incêndio, raio ou explosão. Outros tipos de coberturas devem ser contratadas à parte, com pagamento por valores adicionais, e devem constar em apólices —documento emitido pela seguradora que especifica cláusulas, condições e riscos do contrato.
"O seguro cobre enchente se tiver cobertura adicional. Neste caso, a pessoa que contrata recebe a visita da seguradora. Ela verifica as probabilidades de alagamento, por exemplo, aí vai analisar o risco e estipular os valores. E isso deve constar na apólice, que deve ainda ser analisada por um advogado, que vai analisar as cláusulas e exclusões", diz.
O que as coberturas adicionais garantem?
As coberturas por danos de enchentes e deslizamentos são produtos diferenciados, que devem ser contratados em caso de necessidade. O valor máximo de danos reembolsáveis corresponde ao valor da apólice.
Por exemplo: se o imóvel de uma pessoa sofreu R$ 30 mil em prejuízos, mas a apólice é de R$ 10 mil, o segurado vai receber os R$ 10 mil previstos. A diferença do valor será de responsabilidade do segurado.
O advogado e professor João Quinelato, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), afirma que as coberturas adicionais são produtos especiais e que o consumidor deve ficar atento ao contrato assinado.
"A apólice do seguro é o que faz lei entre segurado e segurador. E o segurado deve prestar muita atenção nas apólices. Nelas, ele vai verificar exemplos do que tem cobertura e do que não tem. Isso varia", declara Quinelato.
Como acionar o seguro?
Para ter direito ao ressarcimento previsto em contrato, o segurado precisa entrar em contato com a seguradora ou com o corretor de seguros responsável pela venda do produto.
Fotos e vídeos dos danos devem ser repassados à empresa. O prazo para pagamento da indenização é de 30 dias corridos contados a partir da entrega dos documentos e aprovação da seguradora.
Seguro de um imóvel pode contemplar vizinhos?
Trata-se de mais uma cobertura adicional. A cobertura é estendida a terceiros quando algo que estava sob responsabilidade de uma pessoa prejudica outras.
Minha casa foi atingida por deslizamento e enchente, como fica o IPTU?
Nigri explica que o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) é subdividido em dois impostos —um é o Imposto Predial e o outro é o Imposto Territorial Urbano. O primeiro incide sobre os imóveis construídos; enquanto o segundo, sobre os terrenos não edificados.
Logo, se um imóvel vier abaixo durante um deslizamento, mesmo que haja isenção do Importo Predial, o proprietário do terreno deverá arcar com os custos do Imposto Territorial Urbano.
"Se acontecer algo que fez com que o imóvel desaparecesse deve-se pagar ainda o imposto territorial. É um imposto mais barato, mas ele ainda é devido. Isenção de IPTU por enchente não existe", afirma o advogado.
Posso pedir isenção de IPTU?
O professor João Quinelato explica que não há previsão em lei para que o IPTU deixe de ser pago."[O IPTU] é um tributo municipal que deverá sempre ser pago, salvo lei municipal que dispense o pagamento de IPTU nestas hipóteses, mas a princípio não há causas excludentes", declara.
"O contribuinte que é vítima de algum dano pode pedir ressarcimento [de prejuízos], mas o Estado não é responsável por todos os danos que o caso fortuito [imprevisível] pode causar, mas é responsável quando descumpre o seu dever legal de agir e cabe a ele fazer a manutenção.
João Quinelat, advogado e professor do Ibmec
Moro de aluguel e a casa foi atingida, o proprietário pode ser responsabilizado?
Depende. Quinelato explica que uma das obrigações do proprietário é prover que o imóvel esteja em condições de ser habitável. Portanto, se ficar comprovado que a chuva agravou as condições do imóvel e intensificou a precariedade dele, é possível que o proprietário seja responsabilizado. Segundo o especialista, os casos devem ser analisados de modo individual.
"É sempre recomendado consultar o contrato de aluguel para entender as responsabilidades. Se o proprietário deixou de fazer manutenção no telhado, por exemplo, ele pode ser responsabilizado. Agora, se entendermos que o volume pluviométrico [de chuva] foi extraordinário naquele período, pode-se caracterizar caso de força maior e ele não ser responsabilizado".
Daniel Dias complementa que se o proprietário do imóvel omitir algum problema, ele também pode ser acionado.
"Se ele [o proprietário] tem informações de risco e não passou para locatário, eu vejo responsabilidade de responsabilização. Mas em outros casos, não. Agora, se o imóvel ficar destruído, o locatário [pessoa que paga o aluguel] deve suspender o valor do aluguel e o proprietário terá que consertar o imóvel para que o inquilino volte a morar ali. Enquanto durarem as obras de reparos, não há pagamentos de aluguel.
Daniel Dias, professor da Faculdade de Direito da FGV-RJ
(Por: Marcela Lemos / Fonte: economia.uol.com.br)
Comments