Recentemente o STJ declarou que o indivíduo que comprou e tem a posse de veículo pode propor usucapião, pois tem interesse de agir se o automóvel estiver registrado em nome de terceiro no Detran já que, com a sentença favorável, poderá regularizar o bem no órgão de trânsito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.177-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/10/2016 (Info 593).
No caso julgado o autor enfrentava dificuldades pelo fato de o automóvel não estar em seu nome e já havia ido diversas vezes ao Detran, mas nunca conseguiu resolver administrativamente a situação.
O domínio de bens móveis se transfere pela tradição nos termos do art. 1.267, CC e, em se tratando de veículo, a falta de transferência da propriedade no órgão de trânsito limita o exercício da propriedade plena, impedindo que o proprietário que não consta do registro realize ato inerente ao seu direito de propriedade, como o de alienar ou de gravar o bem.
Sílvio de Salvo Venosa já enfrentou o tema: "Por vezes, terá o possuidor de coisa móvel necessidade de comprovar e regularizar a propriedade. Suponhamos a hipótese de veículos. Como toda coisa móvel, sua propriedade transfere-se pela tradição. O registro na repartição administrativa não interfere no princípio do direito material. No entanto, a ausência ou defeito no registro administrativo poderá trazer entraves ao proprietário, bem como sanções administrativas. Trata-se de caso típico no qual, não logrando o titular regularizar a documentação administrativa do veículo, irregular por qualquer motivo, pode obter a declaração da propriedade por meio da usucapião.” (Direito Civil: Direitos Reais. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 264).
Ocorre que comumente a usucapião é requerida sobre bens imóveis, e com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, 16 de março de 2016, além da via judicial, o pedido de usucapião de bem imóvel também pode ser realizado perante o Cartório de Registro de Imóveis da comarca em que o bem usucapiendo estiver localizado.
Assim, considerando que o procedimento de usucapião de bens imóveis é muito mais complexo do que o de bens móveis, acredito que poderíamos nos valer da analogia dessa normativa para que Cartórios também realizassem usucapião de bens móveis.
No caso de usucapião de bens imóveis deverá o interessado apresentar o pedido fundamentado acompanhado dos documentos abaixo descritos:
A) Ata Notarial lavrada pelo tabelião com tempo de posse e seus antecessores;
B) Planta e Memorial descritivo assinada por profissional habilitado;
C) Certidões Negativas dos distribuidores do local do imóvel e domicílio do interessado;
D) Justo título (documento que demonstra a efetiva aquisição da posse do bem) ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como pagamento de impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
Com a apresentação de todos os documentos acima descritos, caberá ao Oficial do Cartório de Registro de Imóveis proceder à intimação dos confinantes, da (s) pessoa (s) em cujo nome estiver registrado, das Fazendas Públicas (municipal, estadual e federal) para se manifestarem no prazo de 15 (quinze) dias.
Caso não haja manifestação dos interessados ou ainda, caso estes manifestem sua concordância quanto ao pedido de usucapião e estando em ordem a documentação apresentada, o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis procederá ao registro da aquisição do imóvel em sua matrícula de conformidade com as descrições apresentadas ou abertura de uma nova matrícula, se necessário.
No caso do procedimento de usucapião extrajudicial de bem móvel, acredito que seria preciso:
A) Ata Notarial lavrada pelo tabelião com tempo de posse;
B) Documentação que comprove inexistência de débitos;
C) Justo título (documento que demonstra a efetiva aquisição da posse do bem) ou quaisquer outros documentos que demonstrem o tempo da posse, tais como pagamento de impostos e das taxas que incidirem sobre o bem;
D) Presença de advogado;
Em seguida, com a apresentação de todos os documentos acima descritos caberia ao Tabelião proceder à intimação da pessoa em cujo nome estiver o bem para se manifestar no prazo de 15 (quinze) dias.
Caso não haja manifestação do interessado ou ainda, caso este manifeste sua concordância quanto ao pedido de usucapião e estando em ordem a documentação apresentada, o Tabelião faria comunicação do procedimento de usucapião do veículo ao órgão executivo de trânsito do Estado.
O Código de Trânsito brasileiro, em seu artigo 134, dá um prazo de até 30 dias para que a comunicação de transferência do veículo seja realizada pelo novo proprietário, mas nada impede que nesse período infrações sejam realizadas. Nessa medida, sendo a comunicação realizada imediatamente pelo cartório faz com que sejam evitadas possíveis demandas judiciais o que garante maior segurança jurídica à população.
Segue artigo:
Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.
Em observância ao princípio da cautelaridade o tabelião, na função de pacificador social exerce atividade preventiva buscando evitar o surgimento de demandas futuras em torno do ato lavrado.
É importante aceitarmos que o Poder Judiciário não consegue atuar com eficiência se procedimentos como o de usucapião que apenas precisam conferir documentos sobrecarreguem magistrados. Estes se aperfeiçoaram para atuar em casos complexos que necessitam ser resolvidos com base em profundo conhecimento jurídico e na íntima convicção.
Assim, os serviços extrajudiciais estão preparados para assumir toda e qualquer demanda que envolva direitos disponíveis e que dizem respeito a análise de requisitos da lei e/ou de mera documentação. Ainda mais, acredito que matérias de direito Civil, com exceção daquelas que envolvam incapazes, deveriam ser enviadas para os Cartórios.
A partir do momento que o Poder Judiciário tiver que atuar nos casos que realmente exigem maior complexidade este será célere e eficaz. Quando isso acontecer a sociedade terá a válida prestação jurisdicional!
(Fonte / Créditos: Marla Camilo)
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